II COMIGRAR, um espaço de diálogo no contexto da pauta migratória.

A II Conferência Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia (II COMIGRAR) ocorreu entre os dias 8 e 10 de novembro de 2024 na Universidade de Brasília (UnB), com etapa preparatória em março, nas instalações da UNILA, em Foz do Iguaçu. A organização foi liderada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (via SENAJUS), em parceria com a Secretaria de Políticas Migratórias da Presidência da República, universidades (UnB, UNILA), além de agentes internacionais como ACNUR e OIM, resultou na aprovação de 60 propostas para a Política Nacional de Migrações.

Patricia Adorno Villamayor, que faz parte do time do E-conexão Global, participou como delegada eleita numa das conferências livres nacionais, e como liderança migrante, nesse contexto ela participou no GT – Eixo 2 – Inserção socioeconômica e promoção do trabalho decente, e fez a defesa das propostas aprovadas no seu grupo de trabalho.

Originalmente planejada para aprovar 30 propostas, o aumento foi impulsionado por pressão de delegados migrantes e outros participantes.

Com o tema “Cidadania em Movimento”, a conferência incorporou debates sobre direitos, acolhimento e integração, dando continuidade à legislação mobilizada desde a criação da I COMIGRAR (São Paulo, 2014) e da promulgação da Lei de Migração (Lei 13.445/2017), que instituiu as bases legais para conferências periódicas como mecanismos de deliberação social, criando espaços de diálogo e debate para a construção da pauta migratória desde uma perspectiva integral.

A I COMIGRAR foi marco simbólico e mobilizador que culminou na clareza da Lei 13.445/17 — designando conferências nacionais com força consultiva ao Poder Público. A segunda edição chega num momento de fluxos migratórios agigantados na América Latina (Venezuela, Haiti, Síria, conflitos no Oriente Médio) aliada à ascensão da apatridia e maior presença de migrantes africanos no Brasil.

A conferência, portanto, não foi apenas um evento, mas parte de um eterno processo dialógico entre sociedade civil organizada (com forte protagonismo migrante) e Estado.

Falando do panorama regional da migração

Até o final de 2024, cerca de 123 milhões de pessoas estavam deslocadas à força no mundo — incluindo 42,7 milhões de refugiados. Na América, eram 21,9 milhões de casos, cerca de 17,6% do total global

No Brasil, 454.165 pessoas solicitaram refúgio entre 2015 e 2024 — majoritariamente venezuelanos (266.862), cubanos (52.488), haitianos (37.283) e angolanos (18.435).

Em 2024, houve 68.159 pedidos — aumento de 16,3% sobre 2023 — sendo quase 40% de venezuelanos, 33% de cubanos e 5% de angolanos. Ao fim de 2024, o Brasil contava com 156.612 refugiados reconhecidos — crescimento de 9,5% em relação a 2023 segundo os dados publicados pela ACNUR

Legislação e mobilização social

A Lei 13.445/2017 é o marco basilar das políticas migratórias brasileiras, contemplando normativas que instituem conferências, direitos e deveres dos imigrantes. O seu artigo 120 previu a realização de conferências nacionais periódicas, das quais a segunda  COMIGRAR é fruto vivo.

Além disso, destacou-se o princípio adotado por ACNUR e OIM: “nenhuma política sobre migrantes sem participação direta deles”, reforçando a importância de conferências livres locais — usadas na fase preparatória. Trata-se de um marco na mobilização cidadã e de legitimidade das proposições

No Rio de Janeiro, foram eleitos 10 delegados, todos migrantes, 5 homens e 5 mulheres dando exemplo de paridade e promovendo a participação ativa da população migrante na construção da pauta migratória. 

As conferências preparatórias envolveram 119 etapas (livres, locais, estaduais e nacionais), conectando realidades urbanas e de fronteira, com debates sobre igualdade, trabalho decente, documentação, interculturalidade e violação de direitos.

Os Eixos temáticos da II COMIGRAR foram estruturados em seis eixos temáticos, a partir dos quais foram priorizadas 10 propostas em cada eixo, totalizando 60 propostas identificadas como orientadoras para a futura política nacional.

  1. Igualdade de tratamento e acesso a serviços públicos

  2. Inserção socioeconômica e promoção do trabalho decente

  3. Enfrentamento das violações de direitos

  4. Governança e participação social

  5. Regularização migratória e documental

  6. Interculturalidade e diversidade

Alguns destaques debatidos dentre as propostas priorizadas por eixo durante a COMIGRAR.

1. Igualdade de tratamento e acesso a serviços públicos

  • Inclusão habitacional: inserção de cotas para migrantes/refugiados no “Minha Casa Minha Vida” e flexibilização documental, com contratos traduzidos e incentivo ao subsídio de moradia.

  • Saúde integral: acesso universal ao SUS independente da documentação, ampliação da imunização, saúde mental, acesso obstétrico humanizado e integração de práticas de medicina tradicional.

  • Educação inclusiva: formação de professores em questões migratórias e materiais plurilíngues, além de cotas diferenciadas no ensino superior.

2. Inserção socioeconômica e trabalho decente

  • Fiscalização do trabalho: plano nacional para coibir exploração e trabalho análogo à escravidão, com penalidades a empregadores e capacitação de fiscais.

  • Capacitação empresarial: estímulo à contratação formal, cartilhas, e uso de mediadores interculturais para facilitar integração no mercado.

3. Interculturalidade e diversidade

  • Mediação intercultural multilíngue: presença de mediadores e intérpretes em atendimento público e inclusão da migração na BNCC e sistemas educacionais.

  • Incentivo cultural: criação de centros culturais por migrantes/refugiados, acessibilidade de editais e fomentos via leis como Rouanet e Aldir Blanc.

4. Governança e participação social

  • Nova Secretária ou agência especializada: criação de instância federal com orçamento, conselhos tripartites, participação migrante e descentralização do atendimento.

  • Plano Nacional Integrado: instrumento transversal com agenda intersetorial em saúde, educação, moradia, atualização a cada quatro anos, e conselhos participativos.

  • Direito ao voto e participação política: apoio à PEC 25/2012 para mulheres migrantes exercerem direitos político-eleitorais.

5. Regularização migratória e documental

  • Agilização de refúgio: meta de decisão em até 12 meses, consulta de status pelo SISCONARE, acesso a CNH e Passaporte Amarelo.

  • Visto humanitário flexível: sistema digital unificado e agilidade para pedido de reunião familiar em até 30 dias.

6. Enfrentamento a violações de direitos

  • Proteção humanizada: atendimento multilíngue a vítimas de violência de gênero, com equipe capacitada e apoio intercultural.

  • Ouvidorias multilíngues: canais de denúncias com intérpretes e abordagem específica para grupos vulneráveis.

O resultado do debate sobre estas questões importantes deu como resultado o Caderno de Propostas Aprovadas em Plenário por votação da maioria dos delegados. 

Impactos e relevância política

  1. Consistência com a Lei 13.445/2017: o caderno reforça o compromisso de institucionalizar conferências deliberativas, enfatizando a participação direta de migrantes/refugiados nas políticas públicas.

  2. Democratização da governança: propostas para órgãos federais com participação migrante e observância à interseccionalidade (gênero, origem, sexualidade).

  3. Integração intersetorial: agenda que conecta saúde, educação, trabalho, moradia e cultura, com ênfase na coesão social.

  4. Viabilidade orçamentária: inclusão de fundos vinculados na LOA/LDO (ex. Fundo Nacional de Migrações) e previsão de repasse federativo.

  5. Foco inclusivo e intercultural: do PLAc (Português como Língua de Acolhimento) à mediação cultural nos serviços públicos.

Limitações e desafios

  • Descentralização operacional complexa: implementação de novas estruturas (secretarias, fundos, agências regionais) depende de articulação política e investimento contínuo.

  • Integração institucional lenta: cultura burocrática e resistência de servidores públicos podem dificultar adaptação dos serviços.

  • Garantia orçamentária sensível: vinculação orçamentária prevista exige inclusão efetiva na LDO/LOA, concorrendo com outras prioridades.

  • Monitoramento necessário: propostas demandam sistemas de acompanhamento e avaliação, algo ainda incipiente.

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